Ainda sobre Setembro/2016 - Preconceito e Velhice

A discussão sobre o tema foi realmente rica e envolvente, repleta de depoimentos, histórias pessoais e ficcionais, poesia, opiniões...

Nossa roda ainda foi agraciada com a leitura de um belíssimo artigo de nossa colega de Roda e também Voluntária Contadora de Histórias Margarida Maria Costa Batista, e que reproduzimos a seguir para que mais pessoas possam apreciá-lo:


"De repente, não mais que de repente", fui agraciada com uma observação, que eu diria inusitada, de uma jovem aluna em um seminário que eu coordenava. "Adorei trabalhar com a senhora, tão ajeitadinha! Esse pessoal velhinho, quando continua trabalhando, tem uma memória incrível"; foram essas as palavras de despedida com que a jovem me brindou. Nesse dia e momento percebi que era hora de eu me retirar do trabalho produtivo.
Na verdade, essas eram as primeiras de muitas observações com que seria distinguida a partir de então. "Fofinha", "bonitinha", "durinha", assim me percebiam os jovens com os quais me deparava. E não era por conta de eu estar em plena atividade produtiva que provocava essas exclamações. Comecei então a matutar. Será aquela velha história de que "quando a gente fica velho vira criança outra vez", provocando os mesmos diminutivos aos olhos da esplendorosa juventude?! Meus olhos já teriam refletido essa mesma imagem dos velhos de antanho?! Ou faltaria aos jovens de hoje a empatia, a capacidade de colocar-se no lugar do velho e dizer "eu sou você amanhã"?! Para testar algumas dessas hipóteses, perguntei à minha neta de oito anos se ela conseguia imaginar-se com os meus oitenta; sua resposta foi pronta e esperada: não. Perguntei-lhe se conseguia imaginar-se na idade da mãe, que para mim é jovem; e ela também disse não.



Como interpretar a reação do jovem frente ao velho - admiração, reverência, estranheza, ternura? Ou o misto de tudo isto? Será um sinal de que não só os velhos e jovens mudam, mas com eles se revela a mudança dos tempos, dos costumes, da cultura que acentuam os crescentes abismos entre as gerações?
O fato é que somos mutantes e não nos damos conta do que somos todos nós. De repente, porém, o espelho começa a nos revelar a verdade inelutável que recusamos a encarar. E então culpamos esse artefato milenar que reflete a nossa imagem. Não estará ele embaçado, manchado e sem brilho?! Tão diferente dos velhos tempos, quando refletia a beleza e exuberância da nossa juventude! Mas o espelho pode ser também os olhos de quem nos contemplam - do esplendor de sua juventude, da inconsciência da própria mutabilidade, ou, (quem sabe?!), do jovem coração enternecido com a fragilidade do objeto contemplado.
Até hoje lembro-me do semblante sereno dos velhos que tanto reverenciávamos - nossos pais, tios, avós - e do que nos revelavam na beleza de suas faces enrugadas, de seus cabelos brancos; do que nos transmitia a sabedoria do seu silêncio, e a observação sutil sobre um gesto ou palavra do jovem.

O tempo passa, rápido, ágil e inexorável, e eis que os velhos, agora somos nós, os jovens de ontem, que, em vez de contemplar, somos objeto de contemplação. E o que parecia distante e inimaginável para nós - na ótica e ilusão de nossa juventude - nos é apresentado na realidade nua e crua de gestos e palavras dos que nos contemplam.
Mas a verdade é que não só velhos e jovens mudam, mas tudo em torno, com a espantosa rapidez da vida contemporânea, que acentua os crescentes abismos entre as gerações. Ontem, aos quarenta, já se iniciava o ciclo do envelhecimento. Ao emplacar os primeiros "entas" encerrava-se o prazo de validade. Os avanços da medicina contribuíram para aumentar a expectativa de vida e o nosso prazo de validade. Os cosméticos, a cirurgia plástica, a busca pelo prazer e encanto do corpo perfeito e beleza resplandecente alimentam a vã esperança da eterna juventude.

A juventude pode ser eterna sim, para o velho de ontem, hoje e de amanhã, na contemplação da imagem de seus filhos, netos e bisnetos que os sucedem na permanente renovação e sucessão dos ciclos da vida. Que todos possamos descobrir o elixir da eterna juventude na contemplação da Vida que se renova e permanece em nós!...



(Artigo publicado no jornal Tribuna da Bahia, Salvador, 10 e 11 jan. 2015 e presente no livro: Administração, Política e outros temas de Margarida Maria Costa Batista)

Setembro/2016 - Velhice e Preconceito



" (...) Tempo Tempo Tempo Tempo
Compositor de destinos
Tambor de todos os ritmos
Tempo Tempo Tempo Tempo
(...)"

(Oração ao Tempo - Caetano Veloso)


O Tempo é um deus inexorável e devorador para todos os seres vivos. Não há como fugir, como enganar, como disfarçar! Ele passa por todos e deixa suas marcas. Senti-lo passar depende de como passamos por ele.


Retrato
(Cecília Meireles)
Eu não tinha este rosto de hoje,
Assim calmo, assim triste, assim magro,
Nem estes olhos tão vazios,
Nem o lábio amargo.

Eu não tinha estas mãos sem força,
Tão paradas e frias e mortas;
Eu não tinha este coração
Que nem se mostra.

Eu não dei por esta mudança,
Tão simples, tão certa, tão fácil:
- Em que espelho ficou perdida
A minha face?

Ser velho é um privilégio, uma conquista, com méritos, valores e também os ônus.
Para muitos ou mesmo para toda a sociedade é uma coisa da qual deve-se ter vergonha e medo, a ponto de se trocarem os termos usados para esta esta etapa de vida, mascarando ou inventando palavras e expressões para se esconder a velhice e tudo o que a ela se refere.

A jornalista Eliane Brum faz uma análise muito interessante sobre isto no texto abaixo.

Me chamem de velha
Eliane Brum

Na semana passada, sugeri a uma pessoa próxima que trocasse a palavra “idosas” por “velhas” em um texto. E fui informada de que era impossível, porque as pessoas sobre as quais ela escrevia se recusavam a ser chamadas de “velhas”: só aceitavam ser “idosas”. Pensei: “roubaram a velhice”.


(Para ler mais)

A nossa reunião de setembro tratou de um tema polêmico mas teve muitos e muitos momentos alegres, agradáveis, de belos relatos e de discussão em torno da literatura existente e que aborda o tema de maneira poética e muitas vezes divertida.

Foram trazidos muitos livros de literatura infantil que podem ser lidos para levar às crianças as abordagens divertidas e humanas da relação Velho-Novo, representada pelas relações Avós-Netos, por exemplo.

Foi uma escolha excelente de tema, que enriqueceu a todos. Talvez até, inicialmente, um tema que pudesse parecer não conter uma literatura que pudéssemos utilizar em nosso "trabalho" de contação, mas que se mostrou guardar uma rica literatura e que pode ser muito mais explorada e pesquisada.

Para ver a relação dos livros, clique aqui: Bibliografia