Nossa roda ainda foi agraciada com a leitura de um belíssimo artigo de nossa colega de Roda e também Voluntária Contadora de Histórias Margarida Maria Costa Batista, e que reproduzimos a seguir para que mais pessoas possam apreciá-lo:
"De repente, não mais
que de repente", fui agraciada com uma observação, que eu diria inusitada,
de uma jovem aluna em um seminário que eu coordenava. "Adorei trabalhar
com a senhora, tão ajeitadinha! Esse pessoal velhinho, quando continua
trabalhando, tem uma memória incrível"; foram essas as palavras de
despedida com que a jovem me brindou. Nesse dia e momento percebi que era hora
de eu me retirar do trabalho produtivo.
Na verdade, essas eram as
primeiras de muitas observações com que seria distinguida a partir de então.
"Fofinha", "bonitinha", "durinha", assim me
percebiam os jovens com os quais me deparava. E não era por conta de eu estar
em plena atividade produtiva que provocava essas exclamações. Comecei então a
matutar. Será aquela velha história de que "quando a gente fica velho vira
criança outra vez", provocando os mesmos diminutivos aos olhos da
esplendorosa juventude?! Meus olhos já teriam refletido essa mesma imagem dos
velhos de antanho?! Ou faltaria aos jovens de hoje a empatia, a capacidade de
colocar-se no lugar do velho e dizer "eu sou você amanhã"?! Para
testar algumas dessas hipóteses, perguntei à minha neta de oito anos se ela
conseguia imaginar-se com os meus oitenta; sua resposta foi pronta e esperada:
não. Perguntei-lhe se conseguia imaginar-se na idade da mãe, que para mim é
jovem; e ela também disse não.
Como interpretar a reação do
jovem frente ao velho - admiração, reverência, estranheza, ternura? Ou o misto
de tudo isto? Será um sinal de que não só os velhos e jovens mudam, mas com
eles se revela a mudança dos tempos, dos costumes, da cultura que acentuam os
crescentes abismos entre as gerações?
O fato é que somos mutantes
e não nos damos conta do que somos todos nós. De repente, porém, o espelho
começa a nos revelar a verdade inelutável que recusamos a encarar. E então
culpamos esse artefato milenar que reflete a nossa imagem. Não estará ele
embaçado, manchado e sem brilho?! Tão diferente dos velhos tempos, quando
refletia a beleza e exuberância da nossa juventude! Mas o espelho pode ser
também os olhos de quem nos contemplam - do esplendor de sua juventude, da
inconsciência da própria mutabilidade, ou, (quem sabe?!), do jovem coração
enternecido com a fragilidade do objeto contemplado.
Até hoje lembro-me do
semblante sereno dos velhos que tanto reverenciávamos - nossos pais, tios, avós
- e do que nos revelavam na beleza de suas faces enrugadas, de seus cabelos
brancos; do que nos transmitia a sabedoria do seu silêncio, e a observação sutil
sobre um gesto ou palavra do jovem.
O tempo passa, rápido, ágil
e inexorável, e eis que os velhos, agora somos nós, os jovens de ontem, que, em
vez de contemplar, somos objeto de contemplação. E o que parecia distante e
inimaginável para nós - na ótica e ilusão de nossa juventude - nos é
apresentado na realidade nua e crua de gestos e palavras dos que nos contemplam.
Mas a verdade é que não só
velhos e jovens mudam, mas tudo em torno, com a espantosa rapidez da vida
contemporânea, que acentua os crescentes abismos entre as gerações. Ontem, aos
quarenta, já se iniciava o ciclo do envelhecimento. Ao emplacar os primeiros
"entas" encerrava-se o prazo de validade. Os avanços da medicina
contribuíram para aumentar a expectativa de vida e o nosso prazo de validade.
Os cosméticos, a cirurgia plástica, a busca pelo prazer e encanto do corpo
perfeito e beleza resplandecente alimentam a vã esperança da eterna juventude.
A juventude pode ser eterna
sim, para o velho de ontem, hoje e de amanhã, na contemplação da imagem de seus
filhos, netos e bisnetos que os sucedem na permanente renovação e sucessão dos
ciclos da vida. Que todos possamos descobrir o elixir da eterna juventude na
contemplação da Vida que se renova e permanece em nós!...
(Artigo publicado no jornal Tribuna da Bahia, Salvador, 10 e 11 jan. 2015 e presente no livro: Administração, Política e outros temas de Margarida Maria Costa Batista)