Foi para todos nós um grande
presente mergulhar na obra, no pensamento e no universo da palavra de
Bartolomeu Campos de Queirós. Mesmo para aqueles que já conheciam dele algum
texto ou livro, a descoberta da riqueza instigante e inspiradora do que ele
deixou foi de deixar a todos fascinados. Cada vez que nós líamos e ouvíamos as
suas ideias ficávamos encantados com a simplicidade e ao mesmo tempo a
profundidade com que ele pensou, trabalhou e batalhou pela disseminação e
popularização da literatura e pela busca de uma melhor qualidade da educação brasileira.
Bartolomeu defendeu a necessidade
de a escola redescobrir o seu papel de formação e transformação do indivíduo, de
como formar crianças leitoras, do encantamento que as palavras causam, da
literatura como um lugar de dúvidas.
“Devo o meu gosto pela palavra também ao meu
avô. Talvez ele tenha me alfabetizado. Meu avô morava em Pitangui, uma cidade
perto de Papagaio, ganhou a sorte grande na loteria e nunca mais trabalhou. Ele
cultivou uma preguiça absoluta. Levantava pela manhã, vestia terno, gravata e
se debruçava na janela. Todo mundo que passava falava: “Ô, seu Queirós!”. Ele
falava: “Tem dó de nós”. Só isso. O dia inteiro. Tudo o que acontecia na
cidade, ele escrevia nas paredes de casa. Quem morreu, quem matou, quem
visitou, quem viajou. Fui alfabetizado nas paredes do meu avô. Eu perguntava
que palavra é essa, que palavra é aquela. Eu escrevia no muro a palavra com
carvão, repetia. Ele ia lá para ver se estava certo. Na parede da casa dele,
somente ele podia escrever. Eu só podia escrever no muro. Esse meu avô tinha um
gosto absoluto pela palavra e era muito irreverente.” (...)
“Meu avô tinha um encantamento com as
palavras. Eu fui aprendendo com ele a cultivar esse encantamento. Já fui criado
com a metáfora. Tive uma infância junto com as metáforas.” (...)
“A
metáfora é muito interessante para o escritor. A metáfora é onde o escritor se
esconde e põe asas no leitor. Pela metáfora, eu me escondo, mas ao mesmo tempo
ponho asas no leitor. Vai aonde você quiser. Você está livre para romper com
tudo. Acho que o leitor é tão criador quanto o escritor. O leitor cria muito. Você
gosta de uma obra não pelo que está escrito, mas pelo lugar que ela o levou a
pensar. Isso é muito interessante. Michel Foucault fala que o que lemos não é a
frase que está escrita. Lemos o silêncio que existe entre as palavras. É ali
que a literatura se faz.” (...)
“Acho que a criança quando entra na escola,
não aprende porque vai prestar concurso, vestibular, nada disso. Ela aprende
para ser amada por aquele que sabe. E o professor é aquele que sabe e ela quer
ser amada por aquele que sabe. Acho que a aprendizagem no início da infância
está na ordem puramente do afetivo.” (...)
... “Ouvir uma música tão bonita às vezes
pode arrepiar o meu corpo. Então, ouvir também é tátil. No gosto, posso acordar
a memória. Então, o homem é uma coisa inteira, não é dividida em apenas cinco
sentidos. Quando se trabalha com a infância é muito bom nos policiarmos sobre o
olhar que destinamos ao outro e que muitas vezes interdita o outro. Não permite
que a liberdade se faça ali. As crianças precisam muito de nós, adultos. Elas
precisam muito de nós para crescer e elas sabem disso. É importante e bom
fazermos essa leitura.” (...)
“O homem é o único animal que pode ser educado. Todos os outros animais
podem ser adestrados. Educar pressupõe deixar o outro ser dono do seu próprio
destino. A educação se faz pela liberdade. Liberdade que você dá ao outro para
que ele escolha o seu destino. Vejo que os processos de educação, o que
chamamos de escola, não deixam de ser processos de adestramento. Não é uma
educação plena, é um processo de adestramento. É uma criança sujeita ao desejo
do professor. E é o professor sujeito ao desejo do poder político. Então, a
criança é sem autonomia. Ela deveria ser o senhor da coisa. No entanto, é o
objeto. A escola não forma o leitor de literatura. A escola só ensina.” (...)
“A escola brasileira, da década de 1960 para cá, ficou unicamente
tentando ensinar só o que é mensurável. Entrou no regime da economia, dos
números. Há coisas na educação que não podem ser mensuráveis, são intuitivas,
estão no campo da percepção, do afeto. Isso foi tudo jogado fora.
... não se pode falar de honestidade porque
não é mensurável; não se pode falar de fraternidade e amor, pois não são
mensuráveis. A literatura, como não é mensurável, perde totalmente o sentido.”
(...)
“É muito interessante porque quando começa a
ditadura, a literatura se torna muito importante. Todas as escolas liam uma
história considerada literatura. Era uma história de um passarinho que estava
preso em uma gaiola e todo o dia de manhã a criança levantava, trocava o
alpiste, a aguinha, e o passarinho cantava, cantava. Um dia, o menino esqueceu
a porta aberta e o passarinho voou e foi para cima de uma árvore. Aí, cai uma
chuva forte e ele precisa se esconder em uma calha do telhado, vem um gato e
avança. Ele corre para o esgoto e vem um rato. Até que o passarinho não agüenta
essa liberdade e volta para a gaiola, fecha a portinha e continua cantando
muito feliz. É isso que a ditadura quis falar que era literatura. Isso circulou
no Brasil de cabo a rabo. Era a grande obra literária.” (...)
E foi assim, entre suas histórias
e seus pensamentos, que passamos uma tarde sem nem perceber o tempo passar: Foi
um “Tempo de Vôo”! Suas palavras fascinam e, encantados, ficamos querendo mais
e com certeza mais encantamentos viriam. Gostaríamos de incitar a todos a
buscar mais de Bartolomeu, suas idéias, sua forma ímpar de escrever e dialogar
com o leitor. Uma boa dica, para começar, é acessar o link abaixo:
http://rascunho.gazetadopovo.com.br/bartolomeu-campos-de-queiros/
Procure também informações sobre
o Movimento por um Brasil Literário idealizado por ele. Quem quiser fazê-lo pode
entrar no site (www.brasilliterario.org.br).
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Dia: 04 de
dezembro – 14:00 horas